As Tradições e Crenças Cristãs em Moçambique

As crenças tradicionais são amplamente praticadas, muitas vezes em paralelo com as práticas cristãs ou incorporadas a elas. Moçambique tem um panorama religioso diversificado, com uma presença significativa tanto de crenças tradicionais como de várias formas de cristianismo. As pessoas praticam crenças animistas tradicionais, que envolvem reverência aos antepassados e espíritos, incluindo a ideia de que os antepassados podem influenciar a vida dos vivos e que existe um Ser Supremo. As crenças envolvem rituais e cerimónias espirituais para os antepassados e o mundo natural. O islamismo é uma religião minoritária, mais significativa na zona costeira do norte e em partes do sul, que influenciou os costumes locais, incluindo a instrução dos chefes tradicionais na leitura e escrita e na prática de ritos de iniciação. Existem também comunidades mais pequenas de hindus (principalmente de ascendência indiana e paquistanesa) e budistas no país.

Alfredo Chamusso, um membro centenário da Igreja Metodista Unida em Moçambique, partilha a sua opinião sobre o assunto: «A nossa existência como seres humanos tem um ponto de partida. Temos alguém que nos protege. Acreditamos nos nossos antepassados e que os encontraremos em algum lugar. O cristianismo fez-nos acreditar que temos um único Deus, mesmo que professemos os nossos antepassados. Quando realizamos rituais, anunciamos a todos os nossos antepassados que cremos neles. Ambos usam a fé como um instrumento de unidade na crença. Por exemplo: antes de abrir um furo de água, convidamos os falecidos a ouvir as nossas orações, buscando a força dos nossos antepassados para termos água para a comunidade, e então o Pastor também faz uma oração pedindo a Deus para o mesmo fim, lembrando o livro de João 14. Tudo gira em torno da fé. No entanto, na ausência duma oração aos antepassados, a água não surge à superfície. Os antepassados não conheciam o Deus atual, mas acreditavam no Deus dos seus antepassados. A tradição ajuda-nos a compreender Cristo. Que aqueles que morreram estão vivos, como uma realidade existencial, da mesma forma que acreditamos na ressurreição Bíblica”.

Estranho Castigo Adolfo Hulho acredita que a tradição é algo que existiu muito antes. «Vejo a obra de Deus no início. Tudo o que vemos e experimentamos na Terra foi a Sua adorável criação. Parece haver uma força sobrenatural em tudo isto. Religião é fé, pois acreditamos no Divino. Na essência, a humanidade foi uma criatura nascida dum grande amor e, mesmo antes de conhecê-la em toda a sua plenitude, Deus não a abandonou. Deus tinha um propósito: a fé. O mal assombrava o Criador, e alguns homens começaram a se desviar, chegando a comparar a tradição com o mal. A tradição pode ter vindo primeiro e parece estar a controlar tudo. Deus, por sua vez, responde às necessidades humanas. Quando procuramos, por exemplo, água... embora seja um bem comum, recorremos a rituais tradicionais, que levam às crenças. A tradição parece ter mais poder, mas, no final, é igualada como seja uma criação Divina. A tradição e o cristianismo na fé dão-nos as mesmas respostas. A questão reside nas pessoas e nas suas crenças que convergem na fé

Hulho partilha outras realidades do tempo: «Na década de 1960, em Mambone-KaMuringane, a norte da província de Inhambane, perto da foz do rio Govuro, haviam pessoas que viviam nas margens, ao longo do trecho mais largo do rio. Existiu uma tradição segundo a qual não se podia ir a este local para pescar sem deixar uma colherada de comida no chão, como forma de pedir peixe aos antepassados, sob pena de ser «recebido» por cobras ou mosquitos, adiando assim a pesca. Outra situação seria ver macacos a andar com uma perna só, e não se poderia completar o objetivo se admirasse a cena. Aqui era apenas a tradição em ação, sem considerar a oração. No que diz respeito ao cristianismo, as escrituras relatam episódios de oração pela chuva (especialmente nas montanhas). Eles dirigiam-se ao líder local, com oferendas, e depois falavam com os seus antepassados, e a resposta não demorava a chegar- muita chuva!!!. Outro exemplo tem a ver com uma floresta muito densa e virgem chamada Nhamwari, onde as pessoas faziam rituais tradicionais nos Nhamwari (narrando as suas dificuldades, fome, seca, falta de chuva, problemas familiares, infertilidade, etc.), pediam perdão e recebiam respostas. Da mesma forma, Deus é o caminho, a luz e a verdade, e traz respostas para as mesmas questões quando a fé está presente”.

Hulho prossegue: “O sangue dos animais sacrificados não supera o sangue derramado por Cristo Jesus na cruz. Jesus veio para nos libertar do mal e aproximar o homem do seu criador. Deus é paciente e acolhedor. Quando as pessoas perfuram um poço, por exemplo, Deus espera que o homem que anuncia isso aos seus antepassados O aceite, pois, ao fazê-lo, estará a anunciar-Lhe de forma cristã através da oração. Por isso, Ele responde às duas situações separadamente, especialmente quando há evidência de fé. Mesmo quando os dois pecadores foram crucificados na cruz com Jesus, um deles foi enviado para o céu com Jesus porque confessou os seus pecados imediatamente. É por isso que Jesus disse ao pecador que o filho de Deus estaria com ele no paraíso. Apesar do nosso atraso em conhecer Deus devido aos nossos laços com a tradição, Deus ainda esperará pela conversão dos homens.”

Hulho termina as suas ideias dizendo: «Tradição significa conhecer a Deus através da fé e em duas perspectivas. Somos chamados a acreditar em Cristo, tal como descrito no Novo Testamento, onde Deus diz que ninguém entrará no reino de Deus sem passar por Cristo. Os tradicionalistas acreditam num salvador diferente e procuram Deus indiretamente através dos espíritos. Entregamos tudo isso ao poder de Deus. Se uma pessoa morre sem reconhecer Cristo, enterramo-la no mesmo cemitério dos cristãos. O que é certo é que a morte é a mesma, e quer aceitemos ou não o Cristo, o mesmo Deus faz a separação (se houver) nesse ambiente. A nossa maior questão reside na fé e na crença. »

Em relação à crença em Cristo ou na tradição — Deus reconhece os dois lados e Ele está no controle de tudo. Precisamos entender se estamos próximos de Deus ou se ainda há alguma distância a percorrer, ou se haverá uma ascensão, já que na tradição ainda precisamos consultar os nossos ancestrais antes de podermos chegar a Cristo, ou se iremos diretamente a Cristo para buscar respostas.

Marcos T. Nhantumbo, teólogo, sociólogo, professor, pregador, ancião e «biblioteca viva» da sociedade e da Igreja Metodista Unida, abordou esta realidade nos seguintes termos: «A ligação entre os dois paradigmas reside na religião. As religiões cristã e tradicional complementam-se mutuamente. Quando, por exemplo, temos de nos juntar aos tradicionalistas em cerimónias, permitimos que eles façam as suas orações e depois os cristãos assumem o seu papel. Os tradicionalistas foram os primeiros a acreditar num Deus invisível (em certa medida, da mesma forma que os cristãos). Deus é o mesmo e usa várias formas para se conectar com cristãos e tradicionalistas. A fé tradicional não é frívola; é pura. Não se pode ignorar o elemento fé, pois sem ele nada acontece. Os dois convergem na fé. Na história do metodismo, por exemplo, John Wesley batizou e celebrou casamentos antes de se converter. Ele fez com que outros acreditassem na fé cristã antes de ele próprio acreditar nela — tal como o Pastor que leva o gado para o tanque e desinfeta, livrando-o de parasitas, mas não entra ele próprio no tanque. A mesma analogia se aplica quando as pessoas convencem outras a se tornarem cristãs, mas não se tornam elas próprias. A conversão é Divina e não é algo a ser imitado.”

Nhantumbo conclui sua abordagem dizendo: «É importante respeitar as nossas tradições, aceitando o facto de que a ela criou o espírito de adoração a Deus, tal como os Judeus fizeram. Os Judeus fizeram isso com um carneiro, e Cristo seguiu uma encarnação semelhante. Há um paralelo: a fé que nos une no mesmo corpo de Cristo. Tanto a fé tradicional quanto a cristã são puras e devem se concentrar na fé para seguir o Deus que professam. A religião tradicional veio dos nossos antepassados (pais, avós, bisavós). Os Judeus rezavam como forma de seguir o ritual da mente e do coração. Hoje, muitos deixaram de ser cristãos e buscam benefícios pessoais, enfraquecendo a religião cristã e outros combinando as duas coisas. Somos encorajados a estudar esses fenómenos em profundidade. O evangelho ainda está disponível, para que possamos compreender diretamente de Deus o que Jesus nos ensinou. A tradição permanece com o sacrifício de animais e orações aos antepassados para ajudar na aceitação das nossas petições. O resultado está, em última instância, nas mãos de Deus. A tradição ainda existirá, sabemos onde começou e sabemos como interpretá-la. Quando oramos como cristãos, continuaremos a fechar os olhos ou não e a pedir a Deus, e receberemos respostas breves ou longas, com base na nossa fé existente

Algumas pessoas continuam a incorporar elementos de crenças tradicionais na sua fé cristã, como o uso de rituais ancestrais para aumentar o poder do cristianismo. As comunidades cristãs observam tradições como celebrar o Natal, montar presépios e participar em eventos como o Domingo de Ramos. Há uma mistura de crenças e práticas tradicionais e cristãs, especialmente nas áreas rurais. Alguns curandeiros tradicionais podem até incorporar elementos do cristianismo nas suas práticas. O cristianismo tem influenciado continuamente alguns rituais e cerimónias tradicionais, enquanto as crenças tradicionais são incluídas nas práticas cristãs.

*Ezequiel M Nhantumbo é correspondente da UMCom/UMNews da África lusófona, baseado em Maputo

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